sábado, 17 de dezembro de 2011

Requiem por um Pontapé na Cona - R.I.P. Arroz Doce

 Sempre foi um dos locais de romaria preferidos no Bairro Alto - durante muitos anos, desde que comecei a sair à noite, tudo começava ali, com uma bifana cheia de molho e o famoso Pontapé na Cona, segredo religiosamente guardado pela D. Alice - quem de nós nunca tentou, pelo menos uma vez, um choradinho para lhe arrancar a receita?


 O Sr. de Bigode (nunca soube o seu nome) que lá trabalhava avisou-me do fecho do spot lendário, mas entretanto passei lá à porta e vi os cartazes a anunciar as bebidas. Ontem, invadida pela nostalgia e estando na companhia de amigos de fora de Lisboa que nunca tinham provado a bebida, decidi entrar.


 O aspecto geral permanece semelhante, para os mais desatentos. Mas Freud já não nos observa a partir do seu lugar privilegiado, e os cartazes de peças e concertos já não cobrem as paredes, que agora estão tristemente cinzentas. Resta-nos a velha jukebox e os azulejos azuis e brancos com cenas de boémia para nos lembrar que não estamos numa desoladora e anónima tasca de bairro.


 A música dos Beatles e dos Doors deu lugar aos hits actuais, e atrás do balcão não estão os três velhinhos amorosos que nos contavam histórias e refilavam quando dávamos notas grandes para pagar uma imperial - no seu lugar estão brasileiros com um cabedal de impôr respeito.


 O Pontapé na Cona já não está num garrafão à vista de todos. Na verdade, o mais terrível é isso - o Pontapé já não está em lado nenhum. A bebida mais famosa do Bairro Alto desapareceu. Ao levar o copo à boca, o que saboreei foi uma mistura de cerveja com coca-cola. Senti-me intrujada e tornei-me insuportável o resto da noite, sem me conseguir calar acerca dos tempos áureos em que as ordes invadiam aquele velho tasco, para uma bifana bem aviada e uma bebida que ninguém conseguia perceber ao certo o que levava.

9 comentários:

Unknown disse...

tou triste.....queria passar este testemunho á minha filha ...................

António Castela disse...

antes de jantar, nas quintas e nas sextas que os sábados eram para os mais "pequenos", subia o elevador da bica e ia ao arroz doce. D. Alice já me conhecia: dois queijinhos fresco, um papo seco, uma cerveja, um café e um pontapé a rematar.
Durante uma hora ao balcão, ia ouvindo o porfiar de histórias e do respeito que tinha pela malta mais nova que por ali a acarinhava (alguns com receio da prole que se perfilava à porta do frágil).
Lembro-me bem de uma conversa sobre a escritura de acquisição de um andar efectuada nesse dia.
Lembro-me, pois nem uma semana passada, numa conversa com uma colega muito tia, para quem o bairro alto era um porfiar de casas de alterne intercaladas de bordéis, atendimentos em pensões e iniciativa privada de "street food*", a propósito do dinheiro escondido que alguns que nem aspecto tinham, tinham, ela, impante, referiu-me que "ainda na semana passada estive no notário e estava lá uma pessoa dessas que tem um café no bairro alto a fazer uma escritura de uma casa que pagou com dinheiro vivo que trazia".

(desculpe esta intromissão, mas andava a fazer uma busca no google apareceu-me esta sua referência,li, sorri e apeteceu-me partilhar)

Unknown disse...

Adorei a descrição...revivi os cheiros, os momentos ali passados. Falava há pouco da existência dessa paragem obrigatória e fiquei desolado por saber do seu triste fado.
Resta-me a recordação do sorriso da Tia Alice (que não era para todos)...saudades.
Grato pelo presente texto e parafraseando na íntegra o Sr. António Castela, também iniciei a pesquisa do mesmo tema, vindo aqui parar. Um bem haja.

Fábio Balsa disse...

A questão que se impõe é: Alguém sabe a receita da bebida pontapé?

Inês Silva disse...

o pontapé existe na ericeira, num bar chamado la luna, divirtam se :)

Anónimo disse...

Carlos Santos
Por curiosidade acedi a este blogge, e ao ler as primeiras frases revejo com saudade esses meus tempos de juventude ,este ano farei 60 anos, e falo de juventude a mais de 40 anos passados.
Saudade dessa paragem obrigatória no Arroz Doce, e do inevitável pontapé na cona, cujo aroma e sabor nos levava a repetir a dose, casa sempre a abarrotar e onde arranjar lugar sentado era loteria ganha.
Hoje bem mais longe, a residir no interior centro do país, que bem saberia essa eterna bebida, pena a tia não querer transmitir o seu legado,( receita ), que bem seria implantada cá no meu snack bar , na Vila das Ondas em Castanheira de Pera , terra da Praia das Rocas. Se por acaso alguém souber a receita e a quiser transmitir, agradeço.

Anónimo disse...

Também eu queria passar esse testemunho ao meu filho, mas pelos vistos não vai ser possivel!

Anónimo disse...

Ok

Anónimo disse...

Saudosos anos 91 e 92.
Durante o tempo de tropa era um destino infalível